Em 1535 (séc XVI), na maior expedição financiada pelo rei da Espanha, Pedro de Mendoza, trouxe os primeiros cavalos crioulos para a América do Sul.

Os conquistadores buscavam explorar a terra, pois Buenos Aires localiza-se na foz do Rio da Prata, porém viviam em conflito com os índios. Para assustá-los, os conquistadores começaram a utilizar os cavalos, já que eram criaturas desconhecidas aos olhares indígenas. Eram como “centauros”, os homens montados em cavalos.

No início o plano deu certo, porém cinco anos depois, com doenças, safras perdidas e ataques indígenas, a colônia criada pelo Reino Espanhol desmoronou. Os soldados começaram a morrer de fome, pois para não violar um decreto real hispânico que dizia que se alguém comesse um cavalo, deveria justificar-se com o rei, e ninguém queria justificar-se com o rei.

Os sobreviventes voltaram para a Espanha, porém não levaram os cavalos, por falta de espaço, deixando para trás 44 animais, que fugiram para os pampas.

Na primeira metade do século seguinte já existiam 10 mil cavalos. Em mais 60 anos, tornaram-se milhões. Eles rapidamente se adaptaram ao novo ambiente, que tornou-se perfeito para sua reprodução.

Os nativos começaram a conviver com estes animais, e familiarizaram-se com eles, passando a utilizá-los para auxiliar sua vida nas aldeias.

Com o passar do tempo, outra geração de colonizadores veio para os pampas, e colocou em risco os índios e seus cavalos, pois vieram construir fazendas para gado, que não deixavam espaço para os nativos e suas aldeias.

Com essa nova fase de colonização, os cavalos estavam desaparecendo na mesma velocidade com que se reproduziram, já que em meados de século XVIII haviam milhões de cavalos, e 75 a 100 anos depois, estavam quase que extintos.

Os colonizadores notaram que além de os índios utilizarem os cavalos em afazeres, também alimentavam-se deles, portanto, matando os cavalos, estariam afetando os índios.

Foi nesta parte da história que entrou Don Emilio Solanet. A família de Solanet imigrou da França em meados do século XIX, vindo morar em Buenos Aires, na estância chamada El Cardal (Casa do Espinho).

Don Emilio Solanet com Gato e Mancha

Emilio Solanet estudou veterinária na universidade de Buenos Aires, foi professor da mesma por um tempo, então descobriu sua paixão pela criação de cavalos, e convenceu-se de que os cavalos selvagens dos pampas eram ótimos para utilizar no campo e no exército, porém eles estavam desaparecendo e cruzando com cavalos estrangeiros.

Decidiu então, procurar nos lugares mais remotos dos pampas, como a Patagônia, por animais descendentes diretos dos crioulos trazidos pelos espanhóis. Solanet fez três viagens na busca dos animais ideais, em 1911, 1913 e 1919.

Visitando as tribos, ele escolheu duas, no máximo três éguas de cada uma, procurando sempre as melhores características, a chamada seleção morfológica. Reuniu então 84 éguas e garanhões e os levou para El cardal, viagem que durou 6 semanas.

Em sua estância, iniciou então um programa meticuloso de procriação, criando e mantendo o registro de cada animal, linhagem e tamanho.

Emilio realizou a tarefa como cientista, mas tinha propósitos práticos. Queria produzir um cavalo ideal para o vaqueiro trabalhar, que fosse veloz, ágil, valente e de boa índole. Ele procurou estipular características de um animal padrão, tendo em torno de 1,52cm de altura máxima, a cabeça pequena, pescoço musculoso e ombros robustos.

Foto extraída do livro “Pelajes Criollos” de Emilio Solanet.

Em 1922 as autoridades argentinas reconheceram oficialmente a raça e lhe deram o nome de crioulo (criollo, que significa misto, e especificamente para os argentinos, significa homem do campo).

Oscar, filho de Emilio Solanet é quem administra a fazenda hoje em dia. Uma vez por ano os criadores argentinos de cavalos crioulos se reúnem para exibir seus cavalos e mostrar suas habilidades em competições que duram cinco dias, na arena que leva o nome de Emilio Solanet.

Na opinião do filho, ele sabia notar um grande cavalo, mas mais importante, sabia criar um grande cavalo, possuía um sexto sentido, um talento para isso.

Solanet aproveitou o que havia aprendido na universidade, para criar terminologias para as cores dos cavalos (pelagens), que não eram específicas. Ele precisava e desejava provar ao mundo a resistência de sua nova raça.

Certa vez, Aimé Tschifelly, cavaleiro suíço, enviou uma carta a Solanet com um pedido inusitado. Ele indagava Emilio questionando se seus cavalos conseguiriam percorrer 16.000km, saindo de Buenos Aires para viajar até Nova York. Solanet, que sempre confiou em seus animais, respondeu que seus cavalos chegariam ao Polo Norte.

Aime? Fe?lix Tschifelly (1895-1954) montando Mancha.

E foi então que professor e cavaleiro fecharam uma parceria, Emilio forneceria seus melhores cavalos, e Aimé os guiaria até o destino final da jornada, comprovando a teoria de Solanet de que seus cavalos eram únicos.

Os animais escolhidos foram Mancha (16 anos) e Gato (15 anos), e em 23/04/1925 começou a jornada. Nem Dom Emilio achava que o suíço chegaria a Nova York, pois ele teria que atravessar florestas, desertos, abismos, penhascos, frio, chuva, fome, doenças, somente acompanhado dos cavalos.

Gato e Mancha

Contrariando todas as expectativas, dois anos após a saída, Aimé e seus cavalos já estavam no Panamá. Diz-se que o suíço sempre priorizava o bem estar dos cavalos e depois o seu, arrumando comida e abrigo para os animais, e posteriormente para si.

Chegando aos EUA, eles já eram famosos, e todos queriam ver e falar com o homem e conhecer seus dois Crioulos, parentes próximos dos mustangues americanos. Até o presidente dos EUA, Calvin Coolidge preparou uma recepção para Aimé.

Três anos depois da partida, a jornada chegou ao fim, inclusive o Prefeito de Nova York concedeu a medalha da cidade ao suiço Aimé. E foi assim que se estabeleceu a reputação do cavalo crioulo. Os dois cavalos utilizados na jornada, estão empalhados em um museu na Argentina, há 60 anos.

Jimmy Karter e Aime? em Nova Iorque

É uma história inspiradora, aventureira e encorajadora. E não é que realmente inspirou alguém?! Em junho de 2002, uma fotógrafa sul-africana estava determinada a cavalgar da Argentina até Nova York, tendo por objetivo reconstituir a maior façanha equina da história, que perfizera a mesma rota, oitenta anos atrás.

Um imenso teste de resistência para a amazona e seus cavalos, se eles não possuíssem o mesmo pedigree da época dos conquistadores. O objetivo da Sul-africana era arrecadar dinheiro para uma escola de equitação para deficientes na Irlanda, onde mora. Ela notou a imensa dificuldade em muitas partes da viagem, e indagava-se sobre as condições 80 anos antes.

Pelo caminho ela foi recebendo dicas de pessoas que cruzavam sua jornada, exatamente como Aimé, inclusive recebeu ajuda popular em uma tentativa de assalto. Os tempos mudam, e infelizmente nesta viagem, só um dos cavalos chegou aos Estados Unidos. Tuja (10 anos) foi diagnosticado com uma anemia infecciosa, que é fatal, e como as leis de quarentena e controle de entrada de animais nos EUA são rígidas, ele foi sacrificado.

Então, da Guatemala a Flórida, a Sul-Africana e Misa (sua égua crioula) foram de avião, para continuar a jornada. Lá, ela pegou outro cavalo de marcha, Toto. Em dois anos, a amazona completou apenas 10.000km. Ao chegar a Nova York, foi escoltada até o parque onde Aimé foi recebido com glória, e lá reencontrou sua família, que há dois anos não via, e pode enfim comemorar sua chegada.

O cavalo crioulo ganhou espaço, conquistou a Argentina, e tornou-se o cavalo ideal. O Exército de San Martin, por exemplo, ganhou a guerra no lombo do crioulo, e hoje em dia, uma tropa de crioulos sempre conduz a guarda presidencial. Inclusive, no esporte, o cavalo crioulo se destaca, pois os cavalos de pólo são 7/8 puro-sangue e 1/8 crioulo, sendo esta uma parte muito importante. Segundo Victoria Grace, importante competidora, os cavalos de polo são criaturas únicas, supercavalos, pois combinam as características de cavalos de corrida com a agilidade e força do crioulo.

Oscar, um domador renomado na Argentina, utiliza técnicas desenvolvidas com os índios para domar os crioulos e conseguir comandá-los a fazer o que ele quiser. Ele diz que Solanet foi vital para o país. Que ele ter recuperado o crioulo foi essencial, pois durante anos a economia foi baseada no lombo do cavalo.

Aimé Tschifelly

Aimé Tschifelly (cavaleiro suiço) faleceu em 1954. Ele voltou para El Cardal após sua jornada, ele e Emilio se tornaram amigos até o fim da vida, mas jamais esqueceram os cavalos que os tornaram famosos. Mancha e Gato viveram até os 36 e 38 anos, seus corpos estão preservados no museu, mas seus corações estão enterrados em El Cardal, no monumento erguido por Dom Emilio Solanet. Aimé foi enterrado em Buenos Aires, porém em 2000, seus restos foram levados para El Cardal a pedido da Família Solanet.

O escritório onde Solanet trabalhou sua vida inteira hoje é um santuário em sua memória. Sua jaqueta de montar ainda está pendurada na cadeira, sua sela de vaqueiro ainda está na varanda, e o que ele conquistou está presente em todos os cantos da sua estância e no mundo inteiro, onde os crioulos descendentes de seu rebanho se espalharam por países como Alemanha, Itália e França.

Dom Emilio Solanet, o grande criador do cavalo crioulo, morreu aos 92 anos de idade (1969), e como seus cavalos queridos, ele trabalhou até o fim. Não deixe de assistir o vídeo do documentário (abaixo), é longo, mas é encantador pra quem gosta de história e cavalos.